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Moradia

O Sonho e a luta

Batalha pela moradia

Paulo Guarnieri

Paulo GuarnieriAtivista político e morador do Centro Histórico

26/10/2023 15h14
Por: Fernando Gadret
Fonte: Paulo Guarnieri

O sonho já vai longe no tempo. Ele nasceu numa assembleia geral da Associação do Centro, realizada em 2009. Tramitava então na Câmara Municipal a revisão do Plano Diretor (PDDUA), e o encontro da comunidade visava o debate de propostas à serem levadas à colenda, como contribuições.

A nossa conversa fraterna, colaborativa e inclusiva, nos levou a sonhar com um bairro sem tantos prédios abandonados. Locais onde, após as devidas obras de adaptação funcional, poderiam ocorrer assentamentos de interesse social. Assim deveria ser, porque não é humano conviver numa cidade onde existe tanta gente sem teto e tanto teto sem uso.

Além do quê, sonhávamos com ruas movimentadas e alegres, com muitos jovens e crianças nos lugares públicos. Gente comunicativa e fraterna, que compra na venda, no pequeno comércio e se encontra nas lancherias e nos botecos. Um bairro vivo, socialmente integrado e justo, com lugar para todos.

A nossa proposta foi apresentada pelo Fórum das Entidades da Revisão do PDDUA (2010), que era então secretariado pelo nosso representante. Ao fim dos debates da revisão, a nossa sugestão foi aprovada pela Câmara e virou um artigo do Plano Diretor, que integra as estratégias de Desenvolvimento do Centro Histórico.

Este ano, fatos notáveis aconteceram. Havia na rua dos Andradas, artéria central da circulação em nossa capital, um prédio público não utilizado, com mais de 2.000 m² de área construída, repassado pela Caixa Federal à Prefeitura, para destinação à Política de Cultura. Como, há muito em nossa cidade, o investimento em cultura deixou de ser uma das prioridades, o prédio caiu em desuso. Ao contrário de cumprir a lei gravada pela Associação, o Prefeito colocou o prédio em leilão, destinando-o à especulação imobiliária, que tanto elitiza o acesso à moradia.

Então ocorreu a luta. O Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM – ocupou o imóvel, num ato simbólico, exigindo a sua destinação para moradia popular. A ação cirúrgica do movimento colocou em absoluta evidência a flagrante opção do Prefeito pelos agrados aos grandes investidores e o esquecimento reiterado dos direitos dos pobres, já previstos em lei. Para evitar a vergonha de enfrentar este debate no ano que precede a sua intenção de reeleição, o Prefeito rapidamente voltou atrás. Recebeu em seu gabinete aos manifestantes, retirou o imóvel da lista do leilão e destinou-o para a produção de Habitação de Interesse Social (decreto 22.269 de 23/10/23).

Ainda bem que a história nos oferece gente de garra, disposta a enfrentar o poder constituído na defesa dos direitos dos mais vulneráveis. Vida longa ao movimento que conseguiu arrancar o nosso sonho, da letra morta da lei, para colocá-lo no mapa da cidade, bem no seu coração. Cada um e cada uma que participou neste momento histórico, agiu com heroísmo.

Saúdo em especial a liderança genuína do movimento, Ceniriani Vargas da Silva, a nossa guerreira Ni, que nos representa no Conselho Municipal de Acesso à Terra e Habitação. Conduziste de forma brilhante este momento histórico, que efetivamente muda o rumo da vida, pelo menos nesta pequena escala local, mas emblemática.

Guardo com carinho a tua foto da manifestação do dia 23, em frente a Caixa Federal, por mais investimentos públicos na produção de habitação de interesse social, trazendo junto quatro gerações em luta. Tenho agora a certeza, que famílias de baixa renda, por meio do Programa Minha Casa Minha Vida 1, realizarão enfim o nosso sonho.

Viva o sonho e a luta!

Viva a Associação do Centro!

Viva o Movimento de Luta pela Moradia!