Entidades representativas de agricultores querem que os recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) não utilizados em 2020 e 2021 sejam direcionados, exclusivamente, para aquisições de produtos da agricultura familiar. O pleito foi apresentado em audiência pública da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, realizada na tarde desta segunda-feira (25) por solicitação da deputada Sofia Cavedon (PT). O assunto será pauta de reunião com a Secretaria Estadual de Educação, agendada durante a audiência para às 16h desta terça-feira (26). A deputada Sofia Cavedon sugeriu também que o assunto seja levado ao conhecimento do Ministério Público e do Ministério Público de Contas. Segundo o presidente da União das Cooperativas da Agricultura Familiar, Gervásio Plucinski, em 2020, o estado recebeu R$ 72 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a merenda escolar, mas gastou apenas R$ 33 milhões, produzindo um saldo de R$ 39 milhões. Em 2021, também não executou todos os recursos e registrou uma sobra de R$ 26,5 milhões. “Nossa expectativa é de que a Seduc confirme que esses recursos serão usados para aquisições da agricultura familiar. Chegamos a estabelecer um processo de diálogo com o governo que foi positivo, mas que durou só meio ano. Precisamos retomar o diálogo”, apontou. Plucinski revelou que um dos avanços obtidos foi a habilitação centralizada, que permitia aos agricultores entregar a documentação exigida na Coordenadoria de Educação correspondente às escolas para as quais os produtos eram vendidos. O procedimento, que poupava tempo e evitava que os agricultores entregassem os mesmos documentos em cada estabelecimento comprador, foi abandonado, configurando um retrocesso, conforme o dirigente. Responsável pela oferta de alimentação escolar a todos os estudantes da educação básica pública do Brasil, o PNAE determina que, pelo menos, 30% dos recursos financeiros que repassam aos estados sejam usados para aquisições de gêneros da agricultura familiar. Representantes dos agricultores consideram, no entanto, que o percentual não vem sendo cumprido. O engenheiro agrônomo Adrik Ritscher, da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (FETAG), alertou que os 30% devem ser observados em cada chamada pública feita pelo governo e não apenas contabilizados no montante gasto anualmente. “Os agricultores não podem ficar numa eterna expectativa de uma chamada pública. Estamos pedindo o mínimo que a lei determina”, frisou, ressaltando que o programa nacional é a principal ferramenta existente para garantir preço justo e viabilizar a produção familiar. Já a dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra Salete Carolo disse que as “sobras de recursos destinadas à merenda escolar num período de crise e volta da fome no País representam incapacidade de gestão ou intencionalidade”. Associou ainda o PNAE à segurança e à soberania alimentar. O presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea), Juliano Ferreira de Sá, expressou opinião semelhante. “Devolver ou não gastar dinheiro da merenda neste momento em que a fome volta não é normal. É grave. Enquanto os agricultores ficaram sem mercado e a população passava fome por causa da pandemia, o governo paralisava a principal política pública de enfrentamento às desigualdades”, denunciou. Falta de recursos humanos As compras da agricultura familiar esbarram, muitas vezes, na falta de servidores para atuar na área da alimentação escolar. O alerta foi feito pela nutricionista Ana Luísa Scarparo, integrante do Conselho de Alimentação Escolar. São apenas duas nutricionistas na Secretaria Estadual de Educação para dar conta de 2300 escolas e cerca de 700 mil crianças e adolescentes. Seriam necessários, segundo ela, pelo menos 299 profissionais. “A gestão escolarizada necessita de suporte para fazer as compras, e não há profissionais específicos para isso”, lamentou. Conforme o professor Jairo Bolter, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), “as direções (de escola) passam a ser orientadas a implantar qualquer cardápio por falta de estrutura e de pessoal nas escolas”. “Assim, fica difícil colocar em prática (as aquisições da agricultura familiar) no Rio Grande do Sul. É na ponta que está o problema, onde falta professor, técnicos e merendeiras. Embora a merenda escolar seja central neste momento, a Seduc não faz qualquer movimento para enfrentar esse problema”, criticou. Contraponto - O diretor administrativo da Seduc, Rômulo Medeiros Saraiva, garantiu que os recursos não utilizados não são devolvidos ao governo federal, mas remanejados para o exercício seguinte. Anunciou ainda que serão realizados três repasses extraordinários de recursos diretos para as escolas para compra de merenda escolar neste ano, totalizando R$ 18 milhões, e que as “sobras” de anos anteriores serão liquidadas até o final de 2022.
Matéria da Agência de Notícias da ALRS Foto: Celso Bender e Vera Amaro