Paulo GuarnieriAtivista político e morador do Centro Histórico
Selvageria Urbana foi para mim, antes de mais nada uma esperança. Uma edição pirata, feita sem os necessários registros, mas foi o possível no momento. Nasceu como fruto da minha necessidade de captar os recursos necessários para realizar o complemento da minha contribuição previdenciária.
Desde tenra idade tive atuação intensa no movimento social. Meus primeiros passos foram no Grêmio Estudantil Rosariense, no início da década de setenta. Participei num intenso movimento contra a implantação da reforma do ensino e acredito que por consequência, acabei sendo expulso da escola.
Logo precisei começar a trabalhar. Ao longo da minha vida, fui empregado pela iniciativa privada durante onze anos. A militância política, no entanto, foi algo que nunca abandonei. Alijado do estudo formal passei a estudar apenas aquilo que me interessava. A ciência Política, confesso, sempre me fascinou.
Em 1987 participei da fundação e fui o primeiro presidente da Associação de Moradores do Centro de Porto Alegre. Em 1988, concorri à presidência da União das Associações de Moradores de Porto Alegre – UAMPA.
Eu trabalhava, então, numa indústria de madeira compensada. Era um auxiliar de compras, chefiado por um vendedor, que não sabia comprar. Quem executava as compras mais complicadas era eu. Enquanto saia, meu chefe organizava um dossiê com os documentos que pegava na minha pasta. Eu sempre a deixava na empresa. Quando conseguiu obter uma carta, escrita a punho pelo Velho Prestes, em pleno regime de liberdade democrática, apresentou à direção, e por consequência fui demitido por razões políticas.
Um mês depois fui eleito presidente da UAMPA. Passados pouco menos de dois anos, também fui eleito Vice-presidente da FRACAB – Federação Riograndense das Associações Comunitárias e escolhido para Coordenar o Fórum de Entidades da Câmara Constituinte Municipal, que adequou a Lei Orgânica do Município à Constituição Cidadã de 1988.
Estes três anos, que descrevi em três parágrafos, foram intensos. O ingresso no mundo da política foi de ida sem volta. Após cinco anos de desemprego, conforme foi prometido pelo diretor da empresa que me demitiu, caso não largasse a politica, eu, que jamais tinha ficado mais de dois meses sem trabalhar, frente as várias tentativas que esbarravam sempre na entrevista, tive que me direcionar para o serviço público.
Nunca fiz concurso, sempre fui Cargo Comissionado (CC), sem estabilidade, mas com maior liberdade de ação. Sempre fui queixo duro em relação a minhas convicções. No Movimento Popular, à frente das entidades, com um pé no barro das vilas e outro nos carpetes do poder, fiz a releitura de tudo que já havia lido, com base na realidade crua que enfrentava no dia a dia.
A luta árdua por direitos e garantias individuais, dos quais a lei é pródiga, mas que possuem uma aplicabilidade diretamente proporcional às posses do demandante: quanto mais se tem, mais direito se possui. As pequenas coquistas aqui e ali, às custas de muito trabalho de organização e incidências memoráveis nos espaços públicos, buscando sempre o que a lei afirma: cansa, esgota, exige uma válvula de escape.
A minha militância política, por isso, sempre foi acompanhada por um Hobby: a poesia. Assim falava dos lugares e das lutas. Não sei se para afirmá-las ou para registrá-las, mas sempre as mantive comigo.
Há pouco, em 2018 e 2020, pela primeira vez, meus candidatos à Assembleia Legislativa e à Câmara Municipal não se elegeram. Fiquei desempregado. Com 65 anos de idade e pouco mais de trinta anos de contribuição previdenciária, lembrei das minhas poesias.
Com o apoio da ONG Guerreiros dos Girassóis, consegui organizá-las e editar o livro. A minha esperança era conseguir complementar a contribuição previdenciária para receber a aposentadoria integral. Ao longo de 50 dias, vendi 88 livros, ao preço médio de R$26,00, o que já me permitiria realizar a contribuição esperada ao INSS.
Quando comecei a tratar da abertura de uma MEI, a minha esposa sofreu um AVC e tive que abandonar o projeto. Pedi aposentadoria proporcional e passei a me dedicar integralmente aos seus cuidados, o que no início, foi muito difícil.
O livro ficou guardado. Comecei a distribuí-lo em algumas escolas públicas e ao doar dois exemplares à Biblioteca no Carrinho da Vila dos Papeleiros, ele voltou a aparecer nas redes sociais.